Artugo originalmente publicado em https://totalfootballanalysis.com/
No início de 2020, o FC Barcelona foi coroado como o “Rei das Receitas” pela Deloitte Football Money League com um recorde de 840,8 milhões de Euros alcançados na época de 2018/2019. Embora o seu plano estratégico tenha sido publicado apenas no final de 2015 com o objectivo de torná-lo a instituição desportiva mais admirada, adorada e global, o começo da evolução financeira do clube blaugrana remonta a 2003 com a entrada de Joan Laporta e de jovens empreendedores para a presidência nas eleições com mais participações até essa data. Após vencer o campeonato em 1998/1999, seguiram-se algumas épocas desastrosas culminando com um sexto lugar na La Liga em 2002/2003 (pior classificação desde 1987/1988). A situação financeira não era a melhor e os 123,4 milhões gerados em 2002/2003, representavam metade do valor acumulado por clubes como o Manchester United FC e quase representava o custo com salários (88%). A dívida tinha-se acumulado até níveis probitivos. Era urgente fazer algo dentro do clube.
A direção eleita tinha como premissas o futebol espectáculo e o compromisso social tendo optado por, ao invés de reduzir custos, seguir uma abordagem mais agressiva de modo a obter mais rapidamente resultados dentro e fora do campo.
A partir da época 2003/2004, o clube espanhol iniciou um processo de diversificação e internacionalização das suas receitas aliadas à sua sustentabilidade, capacidade de gestão e inovação. Apesar de os resultados financeiros terem sido sustentados em épocas de enorme sucesso desportivo, como as de 2008/2009 e 2014/2015, o clube tem trabalhado no sentido de cada vez mais ter as suas receitas o mais autónomas possível da performance dentro do campo, já com resultados à vista. No gráfico em baixo, verifica-se que, com excepção das épocas 2012/2013 e 2013/2014 em que o crescimento foi quase nulo, o FC Barcelona tem crescido a sua receita exponencialmente com uma taxa média anual de crescimento de 13%.
Os primeiros resultados mais visíveis surgiram na época 2005/2006 com a conquista da UEFA Champions League e da La Liga. Entre 2002/2003 e 2005/2006, as receitas de matchday cresceram 35 milhões de Euros (83%), as receitas televisivas 51,5 milhões (121%) e as comerciais 49,4 milhões (126%).
Linha do Tempo
Ao longo destas épocas, foram vários os acontecimentos-chave, com 3 presidentes, 10 títulos internacionais e 24 títulos nacionais. Em 15 épocas (2004/2005-2018/2019) alcançou o mesmo número de títulos internacionais (10) que nos 105 anos anteriores (1899-2004) enquanto que no plano nacional, alcançou quase um terço dos seus títulos (32%).
Importa ressalvar os principais acontecimentos ao longo dos últimos anos para, posteriormente, analisarmos as rubricas de receita e a estratégia do clube.
2003/2004
- Entrada do presidente Joan Laporta.
- Podendo negociar os seus direitos televisivos individualmente, beneficiou do primeiro ano de um contrato de 5 épocas de 54 milhões no total com a cadeia Televisio de Catalunya.
- Aumento dos preços dos lugares anuais dando origem a maiores receitas de matchday.
- O clube continuou a resistir negociar com um patrocinador para a parte da frente das camisolas principais.
2004/2005
- A campanha de angariação de sócios “The Big Challenge” resultou num aumento de 20% no número de associados atingindo os 130.000.
- Com melhores resultados e envolvência com a comunidade, as assistências aumentaram.
2005/2006
- Aumento elevado das receitas televisivas devido ao contrato local em vigor e à campanha na UCL.
- Anúncio da extensão do contrato com a Nike até 2013 (terminava em 2008) no valor de 30 milhões de Euros por ano.
- Acordo com a Unicef para que a sua imagem surja na parte da frente das camisolas sem qualquer receita comercial associada.
- Alcance da marca dos 150.000 sócios, mais 40.000 do que em 2003.
2006/2007
- Primeiro ano de um contrato televisivo com a Mediapro com uma receita de 105 milhões e valores superiores a partir de 2008/2009.
- Anúncio de planos para a remodelação do Camp Nou de modo a aumentar a capacidade do estádio.
2007/2008
- Ultrapassou pela primeira vez os 100 milhões de Euros em receitas comerciais fruto, fundamentalmente, do novo acordo com a Nike.
2008/2009
- Época de maior sucesso desportivo devido ao número de títulos conquistados (La Liga, Copa del Rey e UCL, tendo ganho a Supercopa de España, a Supertaça Europeia e o Campeonato do Mundo de Clubes no início de 2009/2010).
- Aumento do valor anual do contrato com a Medipro para 150 milhões de Euros.
- Adiamento dos planos para alargamento da capacidade do estádio e melhoria das zonas Corporate.
2009/2010
- Tomada de posse do novo presidente Sandro Rosell em Junho de 2010.
- Novo acordo assinado com a Mediapro válido até 2014 com receitas mais significativas.
- Com a chegada do novo presidente, foi assinado, pela primeira vez na história do clube, um acordo comercial de patrocínio com a Qatar Sports Investments para a frente das suas camisolas a vigorar entre 2011 e o final da época 2015/2016 num valor mínimo de 165 milhões de Euros. Na frente da camisola surgirá o logo da Qatar Foundation.
2010/2011
- As receitas de matchday ultrapassaram os 100 milhões pela primeira vez.
- Prolongamento do contrato com a Mediapro até ao final da época 2014/2015.
2011/2012
- Primeiro ano com recebimento total do novo acordo de patrocínio com a Qatar Sports Investments (30 milhões).
- Aumento do valor do contrato com a Mediapro.
2012/2013
- Anúncio de que na época seguinte a Qatar Airways será a primeira entidade comercial a surgir na frente das camisolas.
2013/2014
- Primeira época desde 2007/2008 sem conquistar competições principais.
- Início do acordo com a Intel no valor de 19 milhões de Euros válido até 2018.
- Em Janeiro de 2014, Josep Maria Bartomeu inicia funções, primeiro como interino e, em 2015, definitivamente.
2014/2015
- Torna-se o primeiro clube europeu a completar duas vezes o triplete (La Liga, Copa del Rey e UEFA Champions League).
- Melhorias em acordos comerciais existentes (Audi) e novos acordos (Beko, Telefonica).
- Aprovado o plano para expansão do Camp Nou (Espai Barça) com o objectivo de atingir 105.000 lugares com conclusão em 2021.
2015/2016
- Primeira época em que os direitos televisivos passam a ser geridos centralizadamente pela La Liga.
- Publicação do plano estratégico 2015-2021 com o objetivo de atingir 1 bilião de Euros em receitas.
- Utilização do estádio para geração de novas receitas (concerto e competição de rugby).
2016/2017
- Permanência nesta época da Qatar Airways como patrocinadora principal das camisolas e anúncio de um acordo com a Rakuten para patrocínio a partir da época seguinte com um valor entre 50 e 60 milhões de Euros por época.
2017/2018
- Aumento signficativo das receitas comerciais devido ao patrocínio da Rakuten e melhor aproveitamento de outros acordos, nomeadamente, dos jogos de pré-época realizados nos EUA.
- Optimização da venda de lugares através do programa Seient Lliure.
2018/2019
- Novo acordo com a Nike e Beko.
- Controlo por parte do clube do seu merchandising e operações de licenciamento deixando de delegar em terceiros tendo imediato impacto nas receitas.
Receitas de Matchday
As receitas de matchday incluem as vendas de bilhetes e hospitalidade corporate e vivem sobretudo do grau de envolvência entre o clube e a comunidade. Como referido em cima, após um período negativo, a simbiose entre clube e adeptos voltou a cimentar-se a partir de 2003/2004 com o consequente aumento das assistências no estádio e do número de sócios.
Ao longo das épocas, o FC Barcelona tem inovado na diversificação de produtos de modo a potenciar receitas criando, por exemplo, o programa Seient Lliure que permite aos seus sócios revender o seu lugar no estádio num jogo ao qual não possam comparecer recebendo parte da venda e maximizar as receitas para o clube. Outro exemplo, a nível de hospitalidade, passa pelos produtos VIP que vende com experiências diferenciadoras. Tem procurado também ter uma enorme rede de vendedores em posições-chave abrangendo todos os tipos de clientes e segmentos e introduziu recentemente a metodologia de preços dinâmicos que, segundo o próprio clube, foi o grande responsável pelo aumento significativo de receitas de matchday registado em 2018/2019.
Assim, esta estratégia tem permitido aos blaugrana rentabilizar cada vez mais os lugares do Camp Nou conforme se pode observar no gráfico em baixo com a evolução da receita por lugar. Espera-se que com a expansão do estádio e a melhoria dos espaços corporate, estes valores aumentem cada vez mais.
Receitas Televisivas
Até 2014/2015, o FC Barcelona controlava e negociava os seus próprios direitos televisivos. Assim, potenciou junto dos operadores, tal como outros clubes, a sua marca e as suas maiores audiências como aconteceu com a Televisio de Catalunya e a Mediapro. A partir da época 2015/2016, os direitos passaram a ser geridos centralizadamente pela La Liga. Embora a nível nacional seja mais fácil controlar, estas receitas estão associadas ao desempenho desportivo uma vez que atingem valores superiores quando as campanhas na UEFA Champions League assumem um maior sucesso. Deste modo, embora tenham crescido anualmente, verificaram-se aumentos mais significativos nos anos de conquista da UCL e também fruto das melhorias dos ciclos comerciais celebrados entre a UEFA e os seus patrocinadores.
Receitas Comerciais
As receitas comerciais incluem fluxos como patrocínios, merchandising e visitas ao estádio. A estratégia do FC Barcelona está amplamente relacionada com esta rúbrica de receitas. O clube percebeu que a componente comercial depende menos do sucesso desportivo e pode ser potenciada pela força da sua marca. Assim, ao longo do período em análise, foi capaz de melhorar os acordos existentes (e.g. Nike), celebrar novos (e.g. Intel) e tomar duas decisões históricas e de enorme impacto financeiro: 1-celebrar um acordo de patrocínio com uma entidade comercial para a frente das suas camisolas; 2-assumir o controlo do merchandising e operações de licenciamento.
O FC Barcelona assume-se como uma das marcas desportivas mais apetecíveis tendo como objetivo no seu plano estratégico 2015-2021 tornar-se a mais admirada, adorada e global. Mantendo os acordos comerciais existentes, melhorando-os e juntado-lhes novos e explorando novas receitas comerciais como, por exemplo, os torneios de pré-época internacionais, escolas de futebol e o Barça Innovation Hub, terá certamente todas as possibilidades de atingir este objectivo.
Estratégia de aumento da independência das receitas face aos resultados desportivos
A partir de 2003, com um enfoque ainda mais forte a partir de 2015, o FC Barcelona percebeu que teria de diversificar e internacionalizar as suas receitas para estar um passo à frente dos seus competidores adaptando-se às condições do mercado, diminuindo a sua dependência em relação às receitas televisivas e olhando sobretudo para as que estão sob o seu controlo.
O plano estratégico destinado ao período 2015-2021, assenta em 5 pilares: excelência desportiva, participação social, expansão/melhoria do património, posicionamento global e da marca, gestão financeira e sustentabilidade. Tem como objectivo atingir 1 bilião de Euros em receitas na época 2020/2021, o que se vislumbra inteiramente possível caso o clube consiga manter a taxa média de crescimento de 13% evidenciada nos últimos anos.
Assim, a estratégia passa por continuar a crescer as suas receitas independentemente de os resultados desportivos serem melhores ou piores. No gráfico em baixo, verificamos que a dependência é cada vez menor. De facto, embora a percentagem de vitórias tenha diminuído nas últimas épocas, as receitas têm continuado a aumentar significativamente.
Por último, quando comparamos o FC Barcelona com os restantes 9 clubes que fizeram parte da Deloitte Football Money League entre 2003/2004 e 2018/2019, verificamos que a dependência do clube espanhol em relação a rúbricas não controláveis no total das suas receitas, nomeadamente as de direitos televisivos, face à média dos restantes é manfiestamente menor. No gráfico em baixo verifica-se que enquanto que os blaugrana passaram a ter as receitas comerciais como a sua principal fonte (subida de 15%), os outros clubes continuam bastante dependentes dos acordos televisivos tendo inclusive subido o peso das mesmas nas suas receitas globais (3%).
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